Será que a maré conservadora que varreu o Brasil nos últimos anos está se invertendo? Os protestos que sacudiram o país me fazem suspeitar que sim. Os manifestantes que foram às ruas estão pedindo de tudo, do combate à corrupção a escolas e hospitais com "padrão FIFA". Mas ninguém está clamando por um maior controle do estado na vida íntima da população.
Milhões de brasileiros estão fartos da pregação constante que algumas lideranças religiosas (muitas vezes de denominações com poucas décadas de existência) vêm fazendo pelo endurecimento dos costumes. Líderes que
querem cancelar a liberalização sexual dos anos 60 e fazer o relógio andar para
trás.
Marília Gabriela certamente que está entre os que não
aguentam mais a retórica pseudo-moralista. A jornalista alcançou índices
expressivos de audiência com a entrevista que fez com Silas Malafaia num
"De Frente com Gabi" exibido em fevereiro pelo SBT. No entanto, mesmo
pressionada pela emissora, recusou-se a chamar o pastor para um segundo round.
Tampouco convidou Marco Feliciano, apesar do deputado ter se
oferecido publicamente várias vezes para ir ao programa. Gabi percebeu que
estava dando espaço demasiado para gente retrógrada, e partiu para o
contra-ataque.
Desengavetou um projeto antigo de anos e aprovou-o com o
SBT. A estreia aconteceu nesta quarta-feira (26), pouco depois da meia-noite:
"Gabi Quase Proibida", um talk show onde o sexo é o assunto
principal.
O formato em si não difere muito dos outros programas que
ela comanda. Gabi fica sentada de um lado de uma mesa, o entrevistado fica do
outro. A maior novidade ficou por conta do cenário, dominado por uma espécie de
trave vermelha, enorme e dramática.
O convidado de ontem foi Ney Matogrosso. Em seus mais de 40
anos de carreira, o cantor sempre se expôs muito no palco, mas manteve a vida
pessoal em relativo sigilo. O papo com Gabi serviu para revelar inúmeros
detalhes, de sua iniciação sexual às preferências que têm hoje, já
septuagenário.
A conversa entre ambos, que se conhecem de longa data,
enveredou pela política logo nos primeiros minutos. É natural: sexo é sempre
política, embora política nem sempre seja sexo. E ambos faziam questão de
frisar como o ambiente em que se tornaram adultos, décadas atrás, era muito
mais relaxado do que o de hoje --apesar de que então vivíamos sob a ditadura
militar, e hoje supostamente sejamos uma democracia.
Ney contou que seu tórrido romance com Cazuza durou apenas
três meses. Tempo suficiente, segundo ele, para perceber que entre dois homens
podia haver mais do que sexo. Falou também de AIDS (que matou Marco, seu
companheiro de muitos anos) e de sua bissexualidade, que não é bem aceita por
muitos gays. Passou aquela sabedoria que só o tempo traz, mas baseada numa
firmeza de princípios que sempre esteve ali.
Gabi já mostrou que sua relação com o sexo não tem nada de
pudica ao dizer que não se incomodou, durante uma coletiva na semana passada,
com a indiscrição de Alexandre Frota (o ator promete contar num livro os
detalhes de uma noite que os dois passaram juntos).
Agora foi adiante, trazendo para uma emissora de TV aberta a
discussão de temas que estavam em vias de se tornar tabu. Os próximos
convidados do "Gabi Quase Proibida" serão Daniela Mercury, o padre
Beto de Bauru (que foi excomungado por ter feito declarações simpáticas aos
homossexuais) e diversos anônimos com histórias interessantes.
Parece o programa certo, na hora certa.
Por Tone Goes do F5


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