“Grande pátria desimportante, em nenhum instante eu vou te trair”Quase 22 anos após suas estréia na Globo, Vale Tudo (1988/1989) confirma mais uma vez seu potencial como fenômeno de audiência. Segundo informações do Viva, que reexibe a trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, a novela deixou o canal pago na liderança do ranking da televisão por assinatura. Vale Tudo aparece com cerca de 10% mais assinantes sintonizados do que o segundo colocado no horário de exibição do folhetim, entre 0h45 e 1h45.
A novela começou a ser reexibida pelo Viva no dia 4 de outubro. Esta não é primeira reprise de Vale Tudo. A trama já foi atração do Vale a Pena Ver de Novo, na Globo, em 1992. Dos 203 capítulos originais, foi editada e ganhou uma nova versão com 130 episódios.
Qualquer lista que se preza terá Vale Tudo entre as três melhores produções da teledramaturgia brasileira. Resta aos críticos a tarefa de encaixá-la em alguma posição do ranking. Eu a coloco no topo, acima de Roque Santeiro e Que Rei Sou Eu?.
Mas, afinal, o que leva uma novela brasileira produzida há quase um quarto de século a se destacar entre telejornais, talk shows, documentários, partidas de futebol e os outros esportes, shows, séries, filmes e transmissões em alta definição?
Na segunda metade da década de 1980, vivíamos outra época. Acredite, leitor ou leitora com menos de 25 anos. Era possível sobreviver com apenas meia dúzia de emissoras abertas, que não disputavam atenção com canais pagos, internet, celulares, aparelhos de mp3, vídeo games, computadores e outras opções de lazer.
Contudo, o sucesso de Vale Tudo, que acaba se repetindo em suas reprises, não vem da falta de opção. No início dos anos 1990, a novela foi reprisada com sucesso no período da tarde. Agora, no fim da primeira década dos anos 2000, é reexibida com boa audiência no início da madrugada.
Vale Tudo não teve receio em apostar na vanguarda. Antes mesmo das súplicas presentes em redes e mídias sociais, Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères atenderam um desejo da audiência que, na época, provavelmente era inconsciente: o diálogo com o público.
Em nenhum momento houve forte influência do telespectadores sobre o rumo da trama, além das tradicionais pesquisas de opinião promovidas pela Globo ao longo do desenrolar da novela. Não falo sequer do concurso promovido por uma empresa alimentícia que parou o Brasil ao aproveitar o assassinato de Odete Roitman (Beatriz Segall), a temida, mas ultra-contemporânea, vilã de Vale Tudo.
Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères souberam captar a degradação ética das ruas e transferi-la para a telinha sem a aplicação de filtros morais. Não houve qualquer receio ao apresentar a inescrupulosa Maria de Fátima (Glória Pires), que chegou a vender seu próprio filho e deixar sua mãe Raquel (Regina Duarte) no olho da rua. Além disso, outros temas espinhosos foram mostrados de forma crua. O alcoolismo era mostrado sem verniz no inferno de Heleninha Roitman (Renata Sorrah). Isso sem contar a corrupção endêmica, sintetizada na fuga de Marco Aurélio (Reginaldo Faria) em um avião particular, dando uma sugestiva banana para o Brasil.
Vale Tudo foi fundo ao abordar um país sem projeto de nação. Uma pátria que tanto lutou pela democracia e não soube lidar de forma responsável com a liberdade recém-adquirida. Um país sem moeda forte, falido em meio a catastróficos planos econômicos e eticamente destroçado por administrações que prometiam nos salvar, mas entregaram Amazonino Mendes, Fernando Collor de Mello, Joaquim Roriz, José Sarney, Jânio Quadros, Moreira Franco, Newton Cardoso, Orestes Quércia, e outras figuras que dispensam comentários.

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