ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
"Estou descobrindo que fiz dois filmes diferentes. Os homens veem um filme e as mulheres, outro. As mulheres adoram. Já os homens olham para aquilo e é como tivessem algum tipo de rejeição."
É assim, com um sentimento de estranheza em relação à própria obra, que João Jardim tem acompanhado as primeiras exibições de "Amor?" em alguns festivais, pré-estreias e debates.
A diferença de recepção se explica pela diferença de papeis que homens e mulheres desempenham nesse filme, que enquadra o amor por seu avesso romântico: a violência e o ódio. E são sobretudo masculinos os atos agressivos que o filme desvela.
Na primeira vez em que foi publicamente projetado, no Festival de Brasília, em novembro de 2010, o filme foi comparado a "Jogo de Cena", de Eduardo Coutinho, que entrelaçava depoimentos reais e encenados.
Jardim explicou, à época, que seu projeto antecedera o lançamento do filme colega e que, além disso, tudo em "Amor?" era cena, atuação. Mas, hoje, ele sente que a sombra desfez-se. "Ninguém mais tem feito comparações. Entenderam a proposta."
E a proposta do cineasta foi, mais que uma proposta, uma solução.
Heloisa Passos/Divulgação
Du Moscovis, que vive homem que se "viciou" em agredir companheiras, em cena de "Amor?", de João Jardim
SER O OUTRO
Ao dar início a uma pesquisa sobre histórias de amor que envolviam violência e um jogo de poder patológico, Jardim percebeu que, de tão extremas, algumas situações não poderiam ser relatadas pelos personagens reais.
Mesmo que o entrevistado topasse contar a história para a câmera, ele não tinha o direito de expor a segunda pessoa envolvida nessa relação.
Da resolução do impasse, surgiu o formato de "Amor?" que coloca atores --Eduardo Moscovis, Julia Lemmertz, Mariana Lima, Lilia Cabral e outros-- para falar como se fossem outros. Mas nada do que está ali foi inventado.
"Quis mostrar como é fácil o outro ser você", define Jardim. O que os atores falam é, exatamente, a reprodução dos depoimentos. "Minha proposta foi que eles não construíssem um personagem, e sim que tentassem se conectar com elementos da vida deles que tivessem relação com as histórias." Os atores não usaram nem figurino nem maquiagem.
Dono de uma carreira calcada no documentário --"Janela da Alma", "Pro Dia Nascer Feliz" e a codireção de "Lixo Extraordinário"--, Jardim parece ter tomado gosto pela direção de atores.
Seu próximo projeto é, de novo, uma ficção. Ele pretende levar à tela os seis últimos dias da vida de Getulio Vargas (1883-1954).
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