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Zé Bonitinho completa 50 anos e seu criador, Jorge Loredo, 85


O sujeito de topete esculpido no Gumex, bigode delgado, sobrancelhas arqueadas, olhar conquistador e roupas extravagantes entra em cena. Mal abre a boca, e as gargalhadas invadem o estúdio da TV Rio. Era início de 1960, estreia do personagem O Bárbaro na pele do ator e humorista Jorge Loredo, no programa “Noites cariocas”.
— Não me lembro da data exata, só sei que saí de cena contrariado, aborrecido mesmo, achando que aquela manifestação exagerada do público me atrapalhou. Custou para eu entender que aqueles risos significavam aplausos — conta Loredo.
Cinquenta anos depois, o personagem ainda é sucesso no humorístico “A praça é nossa”, do SBT. Para quem ainda não ligou as características a seu dono, O Bárbaro foi o primeiro nome dado a Zé Bonitinho, o Perigote das Mulheres.
— Eu o rebatizei quando conheci um cozinheiro muito do feio num restaurante de beira de estrada. Ele só tinha um dentinho balançando na frente — explica Jorge Loredo, que além do cinquentenário de seu “filho” mais ilustre, comemora, na próxima sexta-feira, 85 anos de vida: — Não acreditei quando fiz as contas! Parece que foi ontem que eu sentei ao lado de Chico Anysio explicando, e ele foi datilografando os primeiros roteiros para o personagem na televisão.

Jarbas, uma figura caricata
Não é piada: Zé Bonitinho tem uma inspiração real. Lá com seus 30 anos, Loredo frequentava os barzinhos da Praça Saens Peña, na Tijuca, com um grupinho de amigos. Entre eles, Jarbas, uma figura caricata:
— Ele tirava um pentezinho do bolso e ficava ajeitando as sobrancelhas e o bigodinho toda hora. Se passava uma moça, cantarolava um tango, um bolero… Fui captando esses trejeitos e criei o personagem.
Os primeiros bordões, “Câmera, close!” e “Microfone, please”, surgiram em momentos de sufoco:
— Naquela época, era tudo ao vivo, nada gravado. Essas frases foram de improviso num dia em que uma das câmeras pifou e o microfone não chegou até mim a tempo.
Anos depois, com a criação de novas tiradas — “Garotas do meu Brasil varonil: vou dar a vocês um tostão da minha voz…!”, “Mulheres, atentem para o tilintar das minhas sobrancelhas” e “O chato não é ser bonito, o chato é ser gostoso”, entre outras —, o visual de Zé Bonitinho foi sendo incrementado com pentão, oclão, mandiocão…
— Estávamos na época do exagero, lá pelos anos 80. Tudo era enorme, e eu tinha que acompanhar as tendências — ri Loredo, justificando a megalomania de sua criatura: — Para Zé, tamanho é documento, sim. Tudo nele é grande para compensar a impotência…

Discípulo famoso
Como Zé Bonitinho é homem de confiar em seu taco, ou melhor, em sua mandioca, anda orgulhoso de seu discípulo mais famoso, ninguém menos do que o galã da TV brasileira.
— Se você analisar bem os trejeitos do Zé Mayer, vai perceber que ele tem uma inspiração em mim. O andar dele é o andar do Zé Bonitinho, só que mais discreto. É fato: ele aprendeu comigo! — compara Jorge Loredo, que não sabe definir se brega ou chique é o estilo de seu personagem, só tem a certeza de que ele é o terror da mulherada: — Você acredita que, uma vez, numa apresentação no Nordeste, uma dona foi a meu camarim e me convidou para uma noite de amor com ela? E a condição é que eu fosse caracterizado como Zé Bonitinho!
Loredo conta que, embora o incomode um pouco perder a identidade para um personagem seu — o ator chegou a deixar a interpretação de lado durante um tempo para dedicar-se à advocacia, sua outra profissão —, seu alter-ego o tem vingado das marcantes desventuras da juventude.
— Eu era um rapaz recluso, introspectivo. Meu melhor amigo era deficiente. Éramos o cego e o perneta. Se antes as mulheres me rejeitavam, hoje sou eu que desdenho delas na pele do Zé — diz, lembrando que dos 12 aos 40 e poucos anos se revezou entre as muletas e a cadeira de rodas por conta de uma osteomielite: — Não sei se esse problema surgiu por causa de um tombo na infância ou de uma partida de futebol. A inflamação ia e voltava de tempos em tempos, era uma dor desesperadora. Sofri muito. Entrei mais em hospital do que em supermercado.

Sem cigarro, mais fôlego
Hoje em dia, a saúde vacila, mas não preocupa. Nada que não seja natural a um senhor com mais de 80 anos. O cigarro, um dos maiores arrependimentos de sua vida, Jorge Loredo conseguiu largar há quatro anos:
— Comecei a fumar bem novinho, com uns 16 anos, por causa da minha primeira namorada. Ela só gostava de homem que fumava, e eu queria conquistá-la, sabe como é…
Tantos anos de vício acabaram prejudicando um pouco o fôlego para o trabalho. Atualmente morando no Flamengo, Zona Sul do Rio, ele pega a ponte-aérea para São Paulo às segundas-feiras e lá fica até as quartas para gravar “A praça é nossa”. Antes de entrar em cena, porém, passa pelo ambulatório do SBT para “limpar a respiração” com um tubo de oxigênio.
— É cansativo ficar pra lá e pra cá, mas preciso manter a cabeça funcionando. Se eu me aposentar de vez, enferrujo. Vou trabalhar até quando Deus permitir — afirma o humorista, que vez por outra viaja na companhia da pernambucana Terezinha Pereira da Silva, de 58 anos: — Sempre disse que não nasci para casamentos, mas essa já é a quarta vez que moro com alguém. As mulheres são difíceis de lidar, mas necessárias.
E quem disse que a vida de Loredo se resume a (tudo) isso? Ele promete muito mais…
— Ainda não consegui dinheiro suficiente para comprar a minha ilha, meu grande sonho de consumo — brinca, acrescentando: — Vou me matricular num curso de informática, para poder digitalizar meus contos (eróticos), todos escritos à mão. Meus filhos (o analista de sistemas Jorge Ignácio, de 38 anos, e o advogado e leiloeiro Ricardo Frederico, de 35) são experts em computador, eu não entendo nada. E celular é outra coisa que eu tenho que aprender a mexer. A gente precisa estar sempre se atualizando, se não o mundo engole.

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